14 de julho início de uma das mais desastrosas e sanguinárias revoluções: A Revolução Francesa

Hoje é feriado na França, que celebra, isto mesmo "celebra" o início de uma das mais sangrentas revoluções da história, a Revolução Francesa. Um dos maiores objetivos da revolução era destruir a Igreja Católica. Somente na fase do terro Jacobino entre 16.000 e 40.000 pessoas foram guilhotinadas. Vamos contar um pouco sobre o martírio das carmelitas de Compiègne:


Praça do Trono, 17 de Julho de 1794
São cerca de oito horas da tarde. É verão e o céu ainda está claro. A multidão comprime-se em volta da guilhotina, erguida no centro da antiga Place du Thrône, atual Barrière de Vincennes. Junto dos degraus que conduzem ao cadafalso, o carrasco, Charles-Henri Sanson, espera respeitosamente de pé, flanqueado por dois ajudantes. Há quarenta anos vem prestando esse serviço ao governo, com inalterável resignação. O calor é opressivo, e em toda a praça reina um odor mefítico de sangue.

Vindos da cidade, despontam os carroções. Hoje são dois, e vêm bastante cheios: ao todo, serão quarenta vítimas. Recebem-nas as exclamações e ameaças habituais, mas o barulho logo se abafa em murmúrios de espanto. Acontece que, entre os condenados, se vêem diversas mulheres de capa branca: são as dezesseis carmelitas do convento de Compiègne. Ao contrário dos seus companheiros de infortúnio, não deixam pender a cabeça nem choram ou gritam; trazem o rosto erguido, e a linha firme do corpo é sublinhada pelas mãos amarradas às costas. E cantam: aos ouvidos de todos, ressoam as notas esquecidas da Salve Rainha em latim e do Te Deum. Até para o mais empedernido dos basbaques presentes, é um espetáculo inaudito.

Quando os carroções param ao pé do cadafalso, o burburinho faz-se silêncio absoluto. Até essas mulheres histéricas, as chamadas “fúrias da guilhotina”, que sempre estão na primeira fila dos espectadores, emudecem.

As primeiras a descer são as carmelitas. Uma delas, a priora, Madre Teresa de Santo Agostinho, aproxima-se do carrasco e pede-lhe que lhes conceda uns minutos para poderem renovar os seus votos e que a deixe ser a última a sofrer a execução, para que possa animar cada uma das suas filhas até o fim. Sanson, alma delicada, concorda de bom grado.

Todas juntas, cantam o Veni Creator Spiritus. A seguir, renovam os seus votos religiosos. Enquanto rezam, uma voz de mulher sussurra na multidão: “Essas boas almas, vejam se não parecem anjos! Pela minha fé, se essas mulheres não forem diretas ao paraíso, é porque o paraíso não existe!”

A priora recua até a base da escada. Tem nas mãos uma estatueta de cerâmica da Virgem Maria com o Menino Jesus ao colo. A primeira a ser chamada, a mais jovem de todas, é a noviça Constança. Ajoelha-se diante da Madre e pede-lhe a benção. Segundo uma testemunha, ter-se-ia também acusado nesse momento de não haver terminado o ofício do dia. Com um sorriso a Madre diz-lhe: “Vai, minha filha, confiança! Acabarás de rezá-lo no Céu”… e dá-lhe a beijar a imagem.

Contança sobe rapidamente os degraus, entoando o salmo Laudate Dominum omnes gentes, “Louvai o Senhor, todos os povos”. “Ia alegre, como se se dirigisse para uma festa”. O carrasco e seus ajudantes, com gesto profissional, dispõem-na debaixo da guilhotina. Ouve-se o golpe surdo do contrapeso, o ruído seco da lâmina que cai, o baque da cabeça recolhida num saco de couro. Sem solução de continuidade, o corpo é lançado ao carroção funerário

Uma por uma, as freiras ajoelham-se diante da priora e pedem-lhe a benção e permissão para morrer. Cantam o hino iniciado por Constança. Quando chega a vez da Irmã de Jesus Crucificado, que tem 78 anos, os jovens ajudantes do carrasco têm de descer para ajudá-la a vencer os degraus. Ela diz-lhes afavelmente: “Meus amigos, eu vos perdôo de todo o coração, tal como desejo que Deus me perdoe”.

Só falta a Madre. Com gesto simples e firme, beija a estatuinha e confia-a à primeira pessoa que tem ao lado. Tem 41 anos, um rosto expressivo, nem muito bonito nem feio; o porte é, mais do que altivo, descontraído. Os olhos castanhos, sofridos mas irradiando bondade, procuram os do pe. Lamarche, que as confessara no dia anterior na prisão e que se encontra entre a multidão. Como quem tem pressa em concluir uma tarefa urgente, sobe por sua vez os degraus.
Milhares de pessoas foram mortas em nome da
 liberdade, igualdade e fraternidade

Agora tudo terminou. Pode-se cortar o silêncio como se fosse um queijo. Muitos dos assistentes choram baixinho. Anos mais tarde, encontrar-se-ão ? registrados em cartas pessoais, diários íntimos e memoriais ? os ecos da emoção que experimentaram e dos efeitos que ela lhes causou: muitos sentiram a necessidade de mudar de vida, de retomar a prática dos sacramentos, um ou outro de ingressar num convento… Um deles, um menino que presenciara a cena das janelas de um prédio situado em frente da guilhotina, guardou dela uma impressão tão profunda que, anos mais tarde, quando fazia o serviço militar, carregava sempre consigo as obras de Santa Teresa de Ávila e acabou por fazer-se sacerdote. “O amor vence sempre”, costumava dizer a Madre priora; “o amor vence tudo”.

Os corpos foram levados às pressas para o antigo convento dos agostinianos do Faubourg de Picpus. Lá foram lançados na fossa comum e cobertos de cal viva. Hoje há ali um gramado cercado de ciprestes, com uma simples cruz de ferro. É um lugar de silêncio e oração.

Céu de Chumbo [4 anos antes]
A 13 de fevereiro de 1790, a Assembléia suprimia, de uma penada, todas as Congregações religiosas que não estivessem dedicadas ao ensino e aos hospitais. É curioso ler, nas atas das sessões anteriores, os grandes argumentos em defesa dessa medida: os religiosos contemplativos já não exerciam, segundo os deputados, nenhuma função útil, uma vez que “as terras de cultivo já tinham sido desbravadas (!) e os pobres constituíam uma dívida pública que cabia à sociedade inteira resgatar”. Por que então roubar à agricultura e à indústria, à economia nacional, todos esses braços que poderiam ser tão úteis se não tivessem permanentemente as mãos postas para orar? Nada mais lógico, pois, do que descartar dessas Ordens e atribuir aos seus membros alguma ocupação “proveitosa”.

Evidentemente, as resoluções tomadas em Paris tardavam algum tempo a ser postas em prática na província. Assim, as carmelitas puderam ainda desfrutar de quase seis meses sem serem perturbadas. A secularização dos bens do clero estava já em pleno andamento, e fazia uns quinze dias que tinham tido a dolorosa notícia de que fora aprovada a Constituição Civil do Clero, quando os membros do Diretório local de Compiègne se apresentaram no convento, no dia 4 de agosto, de papel e pena na mão, a fim de fazer o inventário do mobiliário, títulos e papéis. Tudo parece ter corrido sem maiores incidentes; as relações ainda eram cordiais, uma vez que todos no vilarejo conheciam e queriam bem às carmelitas. Terminado o levantamento, o Diretório encarregou oficialmente as “cidadãs” residentes no convento, agora pertencente à municipalidade, de administrarem esses bens em nome do poder público.

No dia 5, porém, voltaram à carga, desta vez para perguntar a cada uma as religiosas se preferia permanecer ou abandonar o convento. Tratava-se ainda de uma dessas tarefas burocráticas desagradáveis, mas de que, enfim, era preciso desincumbir-se. O notário escrevinhava ansiosamente enquanto as religiosas compareciam uma por uma diante dos membros do Diretório para registrarem a sua resposta.

O inventário dessas declarações, unânimes na sua completa fidelidade, é todo um testemunho. A anciã Irmã de Jesus Crucificado afirmou que, “carmelita há cinqüenta e seis anos, a única coisa que quereria, por tudo no mundo, seria dispor ainda do mesmo número de anos para consagrá-los ao Senhor”; a Irmã Eufrásia, beligerante, exprimiu “a firme decisão de conservar o seu hábito, mesmo que tivesse de conquistar essa felicidade ao preço do seu sangue”; a Madre Croissy declarou com nobreza que “assumira os seus compromissos para a vida inteira, e era com pressa que agarrava essa ocasião de renová-los”; a analfabeta Irmã São Francisco Xavier respondeu belamente que “uma esposa bem-nascida permanece unida ao seu esposo, e nada neste mundo seria capaz de fazê-la abandonar o seu divino esposo, Nosso Senhor Jesus Cristo”; e assim, todas e cada uma.

No entanto, e não há nada mais natural, um certo nervosismo tomou conta da comunidade. “Coragem, animava-as a priora, nada de temores pusilânimes, que seriam uma ofensa ao poder e à bondade de um Pai em cujo seio devemos lançar-nos com a mais terna e a mais firme confiança”.

Em nome de todos os Carmelos franceses, a priora do mosteiro de Grenelle enviou por esses dias um Memorial à Assembléia Nacional, assinado também pelas prioras dos outros três Carmelos de Paris. “As riquezas das Carmelitas”, diz o texto, “nunca foram objeto de cobiça. A nossa fortuna consiste nessa pobreza evangélica que, mesmo depois de quitadas todas as dívidas para com a sociedade, ainda assim encontra meios para ajudar os necessitados e socorrer a pátria e em todas as circunstâncias nos torna felizes com as privações que passamos. A liberdade mais completa preside aos nossos votos; a igualdade mais perfeita reina nas nossas casas; entre nós, não há ricas nem nobres [...]. No mundo, comprazem-se em publicar que os mosteiros só encerram vítimas que se vão consumindo lentamente pelos seus sofrimentos; mas nós declaramos diante de Deus que, se há na terra autêntica felicidade, nós desfrutamos dela [...]. Depois de terdes proclamado com tanta solenidade que o homem é livre, querereis obrigar-nos a pensar que já não o somos?”

Mas essas palavras, belas e nobres, caíam em ouvidos ensurdecidos pela algazarra da rua e dos debates parlamentares. Os representantes da Liberdade continuarão a apertar, volta sobre volta, o torniquete com que pretendiam estrangular aqueles que cometiam o horroroso crime de orar e de oferecer-se em sacrifício por eles. “Ó Liberdade, quantos crimes se cometem agora em teu nome!”, teria suspirado Mme. Roland ? aliás em parte “eminência parda” na elaboração dessas leis ? quando a corraça que a levava à guilhotina passou diante de uma estátua da “deusa”.

No dia 11 de Janeiro de 1791, os oficiais municipais voltaram a apresentar-se no convento para acompanhar e supervisionar as eleições da priora e da ecônoma; “Mme Lidoine” ? já não era politicamente correto usar o nome de religiosa, Madre Teresa de Santo Agostinho ? foi reeleita por unanimidade e “Mme. Croissy”, Madre Henriqueta de Jesus, foi eleita ecônoma. A seguir, fixaram-lhes uma pensão no valor de 7425 libras anuais, aproximadamente meio salário mínimo por cabeça.

No mês seguinte, começaram os preparativos para a instalação local da Igreja constitucional. O bispo de Beauvais, diocese a que pertencia Compiègne, foi obrigado a retirar-se; tratava-se do ancião mons. de Rochefoucauld, homem de grande santidade, que em setembro deste ano estaria entre os Mártires do Carmo de Paris, por puro ódio à santidade, pois já não exercia qualquer função pastoral. Substituiu-o o antigo pároco de Cergy, Jean-Baptiste Massieu, eleito bispo constitucional.

Passou-se mais de um ano em angustiosa expectativa, sob um aguaceiro contínuo de más notícias que não cessavam de piorar. “O bispo [juramentado] é o maior objeto das nossas angústias; não temos intenção de reconhecê-lo. Cada dia nos traz uma calamidade nova; estamos, como a senhora, oprimidas sob o peso da cruz e da dor” [Carta de uma religiosa de Sentis à Madre Teresa de Santo Agostinho]. O breve com que o Papa condenou a Constituição Civil foi muito mal recebido em Paris. Por toda a parte, só se ouvia falar de desordens, tumultos, violências contra os católicos fiéis.

Sob um céu carregado, sem perspectivas de melhora, as carmelitas de Compiègne esmeravam-se na sua vida de entrega e sacrifício. Ofereciam as suas penitências, a Missa, a oração. O pe. Courouble, que se recusou a prestar o juramento, continuava ainda a atendê-las regularmente com a maior discrição possível.
80 % do das pessoas que foram guilhotinadas
eram do povo e não da nobreza

O Sacrifício
Na Páscoa de 1792, enquanto lêem no recreio umas crônicas antigas do convento, deparam com o relato de um sonho que tivera uma antiga freira, falecida lá pelos idos de 1720. Contava ela que, nesse sonho, vira a comunidade inteira subir ao Céu: “Vi a glória que as religiosas deste convento terão ali. E vi também o Cordeiro de Deus imolado pelos pecados do mundo; os seus olhos dirigiam-se para nós cheios de ternura”. Durante algum tempo, este passa a ser o tema mais freqüente das suas conversas. Teria Deus preparado para elas a glória do martírio? Que alegria se pudessem ir todas juntas para o Céu!

Nessa época, a priora sofre pesadamente com as responsabilidades que o seu cargo lhe impõe em circunstâncias tão dolorosas. Que fazer? Que decisão tomas? A sua saúde ressente-se. No entanto, se chegar a vergar sob o peso, não quebra. Ainda encontra energias suficientes no seu interior para compor uns versos que refletem bem a sua disposição combativa.

"O texto que se vai ler foi tirado do apêndice histórico da edição brasileira da obra de Gertrud von le Fort (A Última ao Cadafalso, trad. de Roberto Furquim, Quadrante, São Paulo, 1998), e tem por base o livro de Bruno de Jesus Maria, O.C.D, Le Sang du Carmel ou la véritable passion des seize carmelites de Compiègne, Plon, Paris, 1954 e o informe do Secretariatus pro monialibus, Curia Generalis O.C.D., As Bem-aventuradas mártires de Compiègne, Roma, S.d. As citações entre aspas, exceto quando é indicado o contrário, provêm dos manuscritos da Irmã Maria da Encarnação. "

Fonte: http://reporterdecristo.com/as-martires-de-compiegne

Comentários

POSTAGENS MAIS ANTIGAS