Teologia Ascética e Mística: A Redenção e seu efeito; Sua Natureza

A Redenção é uma obra maravilhosa, a obra-prima de Deus, que refaz o homem desfigurado pela culpa e o repõe, em certo sentido, num estado melhor que o anterior a queda, a tal ponto que a Igreja, na sua liturgia, não receita bendizer a culpa que nos valeu um tal Redentor como o Homem-Deus: "O felix culpa quae talem ac tamtum meruit habere Redemptorem!"


Deus, que de toda a sua eternidade previra a queda do homem, quis também de toda a eternidade preparar aos homens um Redentor na Pessoa de seu Filho, que resolveu-se fazer homem. Assim constituído cabeça da humanidade, poderia expiar perfeitamente os nossos pecados e restituir-nos, com a graça, todos os direitos do céu. Deste modo soube tirar o bem do mal e conciliar os direitos da justiça, com os da bondade.


É evidente que não era obrigatório a exercer plenamente todos os direitos da justiça; teria podido perdoar ao homem contentando-se na reparação imperfeita que a este fosse possível. Julgou porém, mais digno da sua glória e mais útil ao homem colocá-lo no estado de reparar completamente a culpa.


A justiça perfeita exigia uma reparação adequada, igual à ofensa, oferecida por um representante legítimo da humanidade. É o que Deus realiza plenamente pela Encarnação e Redenção.
  

Deus encarna o seu filho, constitui-o como chefe da humanidade, cabeça de um corpo místico, cujos os membros somos nós; este filho tem, pois, direito de operar e reparar em nome dos seus membros.


Esta reparação é não somente igual a ofensa, senão que imensamente a supera por ter valor moral infinito; por quanto, como o valor moral duma ação vem, antes de tudo da dignidade da pessoa, todas as nações do Homem-Deus tem valor infinito. Um só dos seus atos teria, pois, bastado para reparar adequadamente todos os pecados dos homens. Ora Jesus praticou atos inumeráveis de reparação, inspirados pelo mais puro amor; completou-os pelo ato mais sublime e heróico: A imolação total de si mesmo durante sua dolorosa Paixão e no Calvário; por conseguinte satisfez abundante e superabundante: "Ubi abundavit delictum, superabundavit et gratia" (Rom 5,20).


Esta reparação é do mesmo gênero que a culpa. Adão tinha pecado por desobediência e orgulho; Jesus expia por meio de humilde obediência, inspirada pelo amor, que foi até a morte e morte e morte de cruz: "factus obediens usque ad mortem, mortem autem crucis" (Fil 2,8). E, assim, como na queda interviera uma mulher, para arrastar Adão, assim também na Redenção intervém uma mulher pelo seu poder de intercessão e por seus méritos; é Maria a Virgem Imaculada, a Mãe do Salvador, que coopera com ele, posto que secundariamente, na obra reparadora. Assim plenamente satisfeita a justiça, mas a bondade sê-lo-á ainda mais.

 
E com efeito, a infinita misericórdia de Deus, ao amor excessivo que Ele nos tem, é que a Sagrada Escritura atribui a Redenção: "Deus, que é rico em misericórdia, diz São Paulo, pela sua extrema caridade com que nos amou... convivificou-nos em Cristo: "Deus qui dives est in misecordia, propter nimiam caritatem suam, qua dilexit nos: ... convivificavit nos in Christo"(Efe 2,4-5).


As três divinas pessoas concorrem, à porfia, nesta obra, e cada uma delas, com um amor que parece verdadeiramente ir até o excesso.


O Pai não tem senão um filho, igual a si próprio, qua ama como a Si mesmo e de quem é infinitamente amado; ora, esse filho único dá-o, sacrifica-o por nós, para nos restituir a vida que pelo pecado havíamos perdido: "Sic Deus dilexit mundum ut Filium suum unigenitum daret, ut omnis qui credit in eum, non pereat, sed habeat vitam aeternam" (Jo 3,16). Podia acaso o Pai ser mais generoso, dar mais que o filho? E depois nos dar o próprio Filho, não foi dar-nos tudo: "Qui etiam proprio Filio suo non pepercit, sed pro nobis omnibus tradidit ilium, quomodo non etiam cum ilio omnia nobis donavit?"(Rom 8,32).

  
O Filho aceita jubilosamente, generosamente a missão que lhe é confiada; desde o primeiro momento da Encarnação, oferece-se a seu Pai como vítima, para substituir todos os sacrifícios da antiga lei, e toda a sua vida não será mais que mais que um longo sacrifício, completado pela imolação do Calvário, sacrifício inspirado pelo amor que nos tem: "Cristus dilexit nos et tradidit semetipsum, pro nobis oblationem et hostiam Deo in odorem suavitatis" (Efe 5,2).
  

Para completar a sua obra, envia-nos o Espírito Santo, o amor substancial do Pai e do Filho, que não contente de derramar em nossas almas a graça e as virtudes infusas, sobretudo a divina caridade, se nos dará a si mesmo, para podermos gozar não somente da sua presença e dos seus dons, senão também de sua pessoa: "A caridade de Deus foi difundida nos nossos corações pelo Espírito Santo, que nos foi dado: Caritas Dei diffusa est in cordibus nostri per Spiritum Sanctum qui datus est pro nobis" (Rom 5,5).
  

A Redenção é, pois, obra do amor por excelência; o que nos permite pressagiar os seus efeitos.


(Fonte: Compêndio de Teologia Ascética e Mística - Ed. Apostolado da Imprensa - 1961 - 6ª edição)

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