Teologia Ascética e Mística: Da Parte da Santíssima Virgem, dos santos e dos anjos na vida cristã (Parte X)


 III. Da parte dos Anjos na vida cristã



O seu múnus vem das relações que têm com Deus e com Jesus Cristo.



183. Os Anjos refletem, antes de tudo, a grandeza e os atributos de Deus: «Cada um em particular representa algum grau do Ser infinito, e é-lhe especialmente consagrado. Nestes contempla-se a sua força, naqueles o seu amor, naqueles outros a sua firmeza. “Cada “um é a reprodução duma beleza do original divino: cada um o adora e louva na perfeição de que é imagem»“. É, pois, o próprio Deus que honramos nos Anjos, que são «espelhos cintilantes, puros cristais, brilhantes refletores que representam os traços e perfeições desse Todo infinito». Elevados à ordem sobrenatural, participam da vida divina, e, tendo saído vitoriosos da provação, gozam da visão beatifica: «Os Anjos destes meninos, diz Nosso Senhor, vêem constantemente a face de meu Pai que está nos céus: Atlgeli eotum in caelis sempet oident faciem Patris mei qui in caelis est»".



184. “2.” Se consideramos as suas relações com Jesus Cristo, não se pode afirmar como certo que tenham dele a graça; mas o que é certo é que, no céu, se unem a este mediador de religião para louvar, adorar e glorificar a majestade divina, ditosos por assim poderem dar maior valor às suas próprias adorações: «Per quem meiestetem. tuam leudent Angeli. edorent . Dominetiones, tremunt Potestates». Quando, pois, nos unimos a Jesus, para adorar a Deus, unimo-nos por isso mesmo aos Anjos e Santos, e esse concerto harmonioso não pode deixar de glorificar mais perfeitamente a divindade. Podemos, pois, repetir com o autor já citado: «Para sempre todos os guardas dos céus, todas essas virtudes poderosas que os movem, supram, em Jesus Cristo, os nossos louvores; eles vos dêem graças pelos benefícios que recebemos da vossa bondade, quer na ordem da natureza. quer na da graça»'.



185. 3." Destas duas considerações resulta que, sendo os Anjos nossos irmãos na ordem da graça, já que participamos, como eles, da vida divina, e, como eles, somos em Jesus Cristo os religiosos de Deus, eles se interessam muito pela nossa salvação, desejando que nos vamos juntar com eles no céu, para

glorificarmos a Deus e participarmos da mesma visão beatifica. a) E é por isso que eles aceitam com alegria as missões que Deus lhes confia para trabalharem em nossa santificação: «Deus, diz o Salmista, confíou-lhes o justo para que eles o guardem em todos os seus caminhos: Angelis suis mandevit de te ul cusiodient te in omnibus vis tuis»". E S. Paulo acrescenta que eles estão ao serviço de Deus, enviados como servos para o bem daqueles que hão-de receber a herança da salvação: «Nonne omnes sunt edrninistretorii spititus. in ministerium missi, proptet eos qui heereditetem cepient selutis/» " E, com efeito, eles nada tanto desejam como recrutar eleitos, para preencherem os lugares vagos pela queda dos anjos rebeldes, e adoradores, para glorificarem a Deus em lugar deles. Tendo triunfado dos demônios, nada tanto desejam como proteger-nos contra esses pérfidos inimigos; e é por isso que é articularmente oportuno invocá-los, para repelirmos as tentações diabólicas.

b) Oferecem as nossas orações a Deus: o que quer dizer que as apóiam, juntando com elas as suas próprias súplicas. Temos, pois, interesse em invocá-los, sobretudo nos momentos críticos, e particularmente na hora da morte, para que eles nos protejam contra os últimos assaltos do inimigo e levem a nossa

alma ao paraíso delegados para se ocuparem de cada alma em particular: são os Anjos da guarda. A Igreja, instituindo uma festa em sua honra, consagrou a doutrina tradicional dos Santos Padres, fundada, aliás, em fato da Sagrada Escritura e apoiada em sólidos motivos, Esses motivos derivam-se das nossas relações com Deus: somos seus filhos, membros de Jesus Cristo e templos do Espírito Santo. «Ora, diz-nos M. Olier, por sermos seus filhos, dá-nos Deus por aios os príncipes da sua corte, que se consideram até muito honrados com este cargo, por termos a honra de lhe pertencer tão de perto. Por sermos seus membros quer que esses mesmos espíritos, que o servem, estejam sempre junto de nós, para nos prestarem bons ofícios sem conta. Por sermos seus templos, em que Ele próprio habita, quer que tenhamos anjos que estejam penetrados de religião para com Ele, como estão em nossas igrejas; quer que lá estejam em homenagem perpétua para com a sua grandeza, suprindo o que somos obrigados a fazer, e gemendo muitas vezes pelas irreverências que cometemos contra Ele». Quer, igualmente, por esse meio, acrescenta ele, ligar estreitamente a Igreja do céu tom a da terra. «É este o motivo por que Ele faz descer à terra esse corpo misterioso dos Anjos, que, unindo-se a nós, e ligando-nos a eles, nos coloquem assim na sua ordem, para não fazer mais que um só corpo a Igreja do céu e a da terra».



187. Pelo nosso Anjo da guarda estamos, pois, em comunicação permanente com o céu, e, para tirarmos disso maior proveito, não podemos proceder melhor do que pensar amiúde nesse protetor celeste, para lhe expressarmos a nossa veneração, confiança e amor: - a) a nossa veneração, saudando-o como um daqueles que vêem incessantemente a face de Deus, que são junto de nós representantes do nosso Pai celeste; não faremos pois nada, que lhe possa desagradar ou o possa contristar, mas ao contrário esforçar-nos-emos por lhe testemunhar o nosso respeito, imitando a sua fidelidade no serviço de Deus; que é uma maneira delicada de lhe provarmos a nossa estima: - b) .a nossa confiança, recordando o poder que ele possui para nos proteger, e a bondade que tem para conosco, que estamos confiados a seu cargo pelo próprio Deus. E, sobretudo nas tentações do demônio que o devemos invocar, pois que ele está acostumado a frustrar os ardis desse pérfido inimigo; bem como nas ocasiões perigosas, em que a sua previdência e destreza tão oportunamente nos podem auxiliar; na questão da vocação, em que ele pode conhecer melhor que ninguém os desígnios de Deus a nosso respeito. Ademais, quando temos algum negócio importante que tratar com o próximo, importa dirigirmo-nos aos anjos da guarda dos nossos irmãos, para que

eles os preparem para a missão que desejamos desempenhar junto deles; - c) o nosso amor, dizendo-nos que ele tem sempre sido e é ainda para nós um excelente amigo, que nos tem prestado e está sempre disposto a prestar excelentes serviços.



Só no céu nos será dado conhecer a extensão desses favores; mas podemos entrevê-lo pela fé, e isto nos basta para lhe exprimirmos o nosso conhecimento e afeição. E particularmente, quando a solidão nos pesa, é que podemos lembrar-nos de que nunca estamos sós, pois temos juntado de nós um amigo dedicado e generoso, com que nos podemos entreter familiarmente. Não esqueçamos enfim que honrar este Anjo é honrar o próprio Deus, de quem ele é representante na terra, e unamo-nos muitas vezes a ele, para melhor glorificarmos a Deus.


(Fonte: Compêndio de Teologia e Ascética e Mística - AD. Tanquerey - 1961)

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