Teologia Ascética e Mística: A concupiscência dos olhos

199. A) O mal: A concupisciência dos olhos compreende duas coisas: A curiosidade doentia e o amor desordenado dos bens da terra. A curiosidade de que se trata, é o desejo ímoderado de ver, ouvir e conhecer o que se passa no mundo, por exemplo, as secretas intrigas que nele se urdem, não para daí tirar algum proveito espiritual, mas para gozar desse frívolo conhecimento. Estende-se aos séculos passados, quando revolvemos a história, não para colher nela exemplos proveitosos à vida humana, senão para apascentar a imaginação com todos os objetos que lhe prazem. Abraça mormente todas as falsas ciências divinatórias pelas quais se pretende esquadrinhar as coisas secretas ou futuras, cujo conhecimento Deus para si reservou: «é, pois, usurpar os direitos de Deus, é destruir a confiança com que nos devemos entregar à sua vontade» ". Esta curiosidade estende-se até às ciências  verdadeiras e úteis, quando um se lhes entrega com demasia, ou fora de tempo; faz-nos então sacrificar obrigações mais importantes, como sucede aos que lêem toda a qualidade de romances, comédias ou poesias. «Porquanto, tudo isso não é mais que uma intemperança, uma doença, um desregramento do espírito, um entibiamento do coração, um miserável cativeiro, que não nos deixa tempo de pensar em nós, enfim uma fonte de erros»".

200. b) A segunda forma desta concupiscência é o amor desordenado do dinheiro; umas vezes considera-se como instrumento para adquirir outros bens, por exemplo, prazeres ou honras; outras vezes apega-se o coração ao dinheiro por ele mesmo, para o contemplar, apalpar e encontrar na sua posse uma certa segurança para o futuro: é a avareza propriamente dita. Num e noutro caso expõe-se o homem a cometer muitos pecados; porque este desejo imoderado é fonte de muitas fraudes e injustiças.

201. B) O remédio. a) Para combater a vã curiosidade, importa recordar que o que não é eterno é indigno de fixar e reter a atenção de seres imortais como nós. A figura deste mundo passa, não há senão uma coisa que permanece: Deus e o céu, que é a eterna posse de Deus. Não devemos, pois, tomar interesse a valer senão pelas coisas eternas; porquanto, o que não é eterno, não é nada: quod aeiemum non est, nihil est. É certo que os acontecimentos presentes, como os dos séculos passados, podem e devem interessar-nos, mas somente na medida em que contribuem para a glória de Deus ou salvação dos homens. Quando Deus criou o mundo e tudo quanto existe, não teve senão um fim: comunicar a sua vida divina às criaturas inteligentes, aos Anjos e aos homens, e recrutar eleitos. Tudo o mais é acessório, e só deve ser estudado como meio para irmos para Deus e para o céu.

202. b) No que diz respeito ao amor desordenado dos bens da terra, é mister recordar que as riquezas não são fim, senão meio que nos dá a Providência para acudir às nossas necessidades, que Deus é sempre soberano Senhor dessas riquezas, que nós não somos afinal mais que administradores delas, e que teremos de dar conta do seu uso: «redde rationem villicationis tuae» (Lc 16,2). É, pois, consumada prudência consagrar uma larga parte do supérfluo a esmolas e boas obras: é acomodar-se aos desígnios de Deus que quer que os ricos sejam, por assim dizer, os ecónomos dos pobres; é colocar no Banco do céu um depósito, que nos será restituído centuplicadamente, quando entrarmos na eternidade: «Entesoirai antes para vós tesouros no céu, onde nem a ferrugem nem' a traça destroem, e onde os ladrões não desenterram nem furtam (Mt 6,20). E é este o meio de desapegar nossos corações dos bens terrestres, para os elevar até Deus:  «Porquanto, acrescenta Nosso Senhor, onde está o teu tesoiro, aí está o teu coração: «Llbi enim est thesaurus tuus, ibi est et cor tuum» (Mt 6,21). Busquemos, pois, antes de tudo o reino de Deus, a santidade, e o demais nos virá por acréscimo. 

Para o homem alcançar a perfeição, tem que fazer mais ainda; tem que praticar a pobreza evangélica: «Bem-aventurados os pobres de espírito: Beeti peuperes spit iiu» (Mt 5,3). O que de três maneiras se pode fazer, segundo as inclinações e possibilidades de cada um: 1) vender todos os seus bens e dá-los aos pobres: «Vendita quae possides et date elemosina» (Lc 12,33) 2) colocar tudo em comum, como se pratica em certas Congregações; 3) conservar a propriedade e despojar-se do uso, não despendendo nada senão conforme o parecer dum prudente diretor

203. Como quer que seja, o coração deve estar desprendido das riquezas, a fim de voar para Deus. É isto exatamente o que nos recomenda Bossuet: «Felizes os que, retirados humildemente na casa do Senhor, se deleitam em a nudez das suas pequeninas celas, e em todas as pobres alfaias de que têm necessidade nesta vida, que não é mais que uma sombra de morte, para em tudo isso não verem mais que a sua fraqueza e o jugo pesado com que o pecado os esmagou. Ditosas as Virgens sagradas, que não querem ser mais espetáculo do mundo, e desejariam esconder-se a si mesmas sob o véu sagrado que as envolve. Bendito o doce constrangimento a que se sujeitam os olhos, para não verem as vaidades, e dizerem com David : Afastai os meus olhos, a fim de as não verem! Ditosos aqueles que ficando, conforme o seu estado, no meio do mundo ... , não são por ele tocados, que passam por ele, sem se lhe apegarem ... que dizem com Ester sob o diadema: «Vós sabeis. Senhor, quanto eu desprezo este sinal de orgulho e tudo quanto pode servir à glória dos ímpios; e que vossa serva jamais se regozijou senão em vós unicamente, Deus de Israel»

(Fonte: Compêndio de Teologia e Ascética e Mística - AD. Tanquerey - 1961)

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