Preparação para a morte: Da perseverança

Santa Joana D'Arc
PONTO III

Consideremos o terceiro inimigo, a carne, que é o pior de todos, e vejamos como deveremos combatê-la. Em primeiro lugar por meio da oração, conforme já 

vimos acima. Em segundo lugar, evitando as ocasiões como iremos ver e ponderar atentamente. Disse São Bernardino de Sena que o conselho mais excelente (que é para bem dizer a base e o 100 funda-mento da vida religiosa) consiste em evitar sempre as ocasiões do pecado. Constrangido pelos exorcismos, confessou certa vez o demônio que, entre todos os sermões, o que mais detesta é aquele em que se exortam os fiéis a fugirem das más ocasiões. E com efeito, o demônio se ri de todas as promessas e propósitos que formule o pecador arrependido, se este não evitar tais ocasiões.

Em matéria de prazeres sensuais, a ocasião é como uma venda posta diante dos olhos e que não permite ver nem propósitos, nem instruções, nem verdades eternas; numa palavra, cega o homem e o faz esquecer-se de tudo. Tal foi a perdição de nossos primeiros pais: não fugiram da ocasião. Deus lhes havia dito que não colhessem o fruto proibido. “Ordenou Deus — disse Eva à serpente — que não o comêssemos nem tocássemos”(Gn 3,3). Mas o imprudente “o viu, o tomou e comeu”. Começou a admirar a maçã, colheu-a depois com a mão, até que por fim comeu dela. Quem voluntariamente se expõe ao perigo, nele perecerá (Ecl 3,27). Adverte São Pedro que o demônio anda ao redor de nós, procurando a quem devorar. Para tornar a entrar numa alma donde foi expulso, diz São Cipriano, somente aguarda a ocasião oportuna. Quando a alma se deixa seduzir pela ocasião do pecado, o inimigo se apoderará novamente dela e a devorará irremediavelmente.

O abade Guerico diz que Lázaro ressuscitou com as mãos e pés atados, e por isso ficou sujeito à mor-te. Infeliz daquele que ressuscitar e ficar preso nos laços das ocasiões do pecado! Apesar de sua ressurreição, tornará a morrer. Quem quiser salvar-se, precisa renunciar, não somente ao pecado, mas também às ocasiões de pecado, isto é, deve afastar-se deste companheiro, daquela casa, de certas relações de amizade...

Poderá alguém objetar que, ao mudar de vida, abandonou inteiramente o fim ilícito em suas relações com determinadas pessoas e que, portanto, já não há receio de tentações. A propósito, recordarei o que se conta de certa espécie de ursos da Mauritânia, que vão à caça de macacos.
Estes animais, ao ver o inimigo, trepam para o alto das árvores.

O urso estende-se junto ao tronco, fingindo-se morto, e quando os macacos, confiados, descem ao solo, levanta-se, apanha-os e os devora.

Tal é a astúcia do demônio: persuade que as tentações estão mortas e quando os homens condescendem com as ocasiões perigosas, apresenta- lhes de súbito a tentação que os faz sucumbir. Quantas almas infelizes, que praticavam a oração, que frequentavam a comunhão e que se podiam chamar santas, deixaram-se prender nos tentáculos do inferno, porque não evitaram as más ocasiões. Lê-se na História Eclesiástica que uma senhora virtuosa, no tempo da perseguição aos cristãos, dedicava-se à piedosa obra de recolher e enterrar os corpos dos mártires. Entre eles encontrou um que ainda respira-va. Levou-o para casa, tratou-o e chegou a curá-lo. Aconteceu, porém, que pela ocasião próxima, essas duas pessoas, que se podiam chamar santas, perderam primeiramente a graça de Deus e depois até a fé cristã.

O Senhor ordenou a Isaías que pregasse que to-da a carne não é mais que feno (Is 40,6). Comentando este texto, disse São João Crisóstomo: É possível que o feno deixe de arder, quando se lhe deita o fogo? Com efeito, acrescenta São Cipriano: É impossível ficar numa fogueira e não queimar-se. A nossa força, adverte o profeta, é como a estopa posta ao fogo (Is 1,31). Também Salomão nos diz que seria um louco aquele que quisesse caminhar por cima de um braseiro sem que se lhe queimassem as plantas dos pés (Pr 6,27-28). Não é menor a loucura daquele que pretende expor-se às ocasiões e não cair em falta.

É preciso fugir do pecado, como de uma serpente venenosa (Ecl 21,2).

É preciso evitar, não apenas a mordedura da ser-pente, escreve Gualfrido, mas também o seu contato e até a sua aproximação.

Dirás, talvez, que aquela casa, aquela amizade favorecem os teus interesses. Entretanto, se aquela casa é para ti caminho do inferno (Pr 7,27) e não re-nuncias a salvar-te, torna-se, em absoluto, necessário que a abandones resolutamente. Se teu olho direi-to, disse o Senhor, te pode ser causa de condenação, deves arrancá-lo e atirá-lo para longe de ti... (Mt 5,29). Note-se a expressão abstê do texto: é necessário atirá-lo, não a teu lado, mas para longe de ti, isto é: impende evitar todas as ocasiões.

Disse São Francisco de Assis que o demônio tenta as pessoas espirituais, que se dão a Deus, de modo mui diferente do que costuma tentar as de má vi-da. A princípio não as prende com uma corda, mas com um cabelo; depois, com um fio; a seguir, com um barbante e, por fim, com uma corda grossa, que as arrasta ao pecado. Aquele, portanto, que deseja escapar de tais ardis, deve evitar, desde o princípio, o enredar de um cabelo, fuja de todas as ocasiões perigosas, relações, cumprimentos, obsequiosidades e outras semelhantes; e, sobretudo, aquele que já teve o hábito da impureza não se limite a evitar as ocasiões próximas; pois, se não fugir também das remo-tas, cairá de novo.

Quem quiser verdadeiramente salvar-se, terá de robustecer e renovar com muita freqüência a resolução de nunca mais se separar de Deus, repetindo muitas vezes aquela máxima dos Santos: “Antes per-der tudo do que perder a Deus”. Não basta, porém, a resolução de não perder a Deus, se não empregamos os meios estabelecidos para a conservação desse bem supremo. O primeiro é, como já ficou dito, evitar as 101 ocasiões. O segundo, frequentar os sacramentos da confissão e comunhão, porque a casa que muitas vezes se limpa não pode deixar de ser asseada. A confissão mantém a alma pura e alcança, não somente a remissão dos pecados, mas também a força necessária para resistir às tentações. A sagrada comunhão chama-se pão do céu, porque, assim como o corpo não pode viver sem sustento terrestre, assim a alma não pode viver sem o alimento celeste. “Se não comerdes a carne do Filho do homem nem beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6,54). Ao contrário, a vida eterna é prometida a quem come com freqüência este pão divino (Jo 6,52). Por isso, o Concílio de Trento chama a comunhão antídoto que nos livra dos pecados veniais e nos preserva dos mortais. O terceiro meio é a meditação ou oração mental: “Lembra- te de teus novíssimos, e não peca-rás jamais” (Ecl 7,40). Aquele que não perder de vista as verdades eternas, a morte, o juízo, a eternidade, não cairá no pecado. Deus ilumina-nos na meditação (Sl 53,6) e nos fala interiormente, ensinando-nos o que devemos praticar e o que temos a evitar. “Levá-lo-ei ao deserto e lhe falarei ao coração” (Os 2,14).

A meditação assemelha-se a uma fogueira benfazeja, na qual nos inflamamos de amor divino (Sl 38,4). Enfim, como já temos considerado, para conservar-nos na graça de Deus, é absolutamente necessário rezar sempre e pedir as graças de que hemos mister. Quem não pratica a oração mental dificilmente reza; e não rezando se perderá certamente.

Impende, pois, empregar todos esses meios para nos salvar e levar vida regrada. De manhã, ao levantar-nos, temos de fazer os atos cristãos de agradeci-mento, de amor, de oferecimento e bom propósito, com orações a Jesus e a Maria para que nos preservem do pecado nesse dia. A seguir, faremos a meditação e assistiremos à santa missa.

Durante o dia dediquemo-nos à leitura espiritual, visitemos a Jesus Sacramentado e a divina Mãe. À noite, rezemos o rosário e não deixemos o exame de consciência. Devemos comungar uma ou duas vezes por semana, segundo o conselho do diretor espiritual que escolhemos para lhe obedecer constantemente. Muito útil seria fazer exercícios espirituais em alguma casa religiosa. Cumpre honrar também a Maria Santíssima com alguma prática especial, como, por exemplo, jejuar aos sábados. É Mãe da perseverança e promete este dom a quem a serve.

“Aqueles que por mim trabalham, não pecarão” (Ecl 24,30). Por fim, e sobretudo, é necessário que peçamos a Deus a santa perseverança, especialmente no tempo das tentações, invocando então freqüentemente os santíssimos nomes de Jesus e Maria enquanto a tentação persistir.

Se assim o fizeres, serás salvo; contrariamente a condenação será certa.

AFETOS E SÚPLICAS

Meu amantíssimo Redentor, agradeço-vos as luzes com que me iluminais e os meios que me ofereceis para salvar-me. Prometo empregá-los com diligência. Dai-me vosso auxílio para vos ser fiel. Desejais que me salve e eu também o desejo principalmente para agradar ao vosso Coração amantíssimo, que tanto deseja a minha felicidade. Não quero, meu Deus, resistir por mais tempo ao amor que me manifestais, e pelo qual me suportastes com tanta paciência quando eu vos ofendia.

Convidais-me a que vos ame e amar-vos, Se-nhor, é o meu único desejo...

Amo-vos, bondade infinita... Amo-vos, infinito bem. Pelos merecimentos de Jesus Cristo, rogo-vos que não permitais que me torne ingrato novamente. Ou acabai com minha ingratidão ou acabai com minha vida... Concluí, meu Deus, a obra que começastes (Sl 67,26). Dai-me luzes, força e amor...

Maria Santíssima, que sois a dispensadora das graças, socorrei-me! Admiti-me, como o desejo, por vosso servo, e rogai a Jesus por mim. Pelos merecimentos de Jesus Cristo, e depois pelos vossos, espero salvar-me.

V/: Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis. Requiescant in pace. R:/ Amém.



Fonte: Preparação para a Morte - Santo Afonso Maria de Ligório - Considerações sobre as verdades eternas - Tradução de Celso de Alencar - Versão PDF de FL. Castro - 2004 

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