Liturgia Católica: O PAPA TEM O PODER DE MUDAR O RITO?


Resulta de tudo isto que se pode fazer a seguinte pergunta: uma remodelação tão radical se mantém ainda dentro do quadro da tradição da Igreja? Não basta, para falar de uma continuidade do rito romano, com que no novo missal se tenham conservado certas partes do anterior, como vimos a princípio, ainda que se empenhem em demonstrá-lo.

Poder-se-ia – parece – derivar o direito do Papa a introduzir por própria iniciativa, ou seja, sem decisão de um Concílio, um novo rito, de seu poder “pleno e supremo” (plena et suprema potestas) na Igreja – do que fala o Concílio Vaticano I –, no “tocante à disciplina e governo da Igreja estendida pelo mundo inteiro (“quae ad disciplinam et regimen Eclesiae per totum orbem diffusae pertinent”) (Dz.S. 3064). 

Entretanto o termo “disciplina” em nenhum caso foi usado como se englobasse o rito da missa, tanto que vários Papas não cessaram de assinalar que este rito remonta à tradição apostólica. Somente por esta razão não se pode apelar para a “disciplina e governo da Igreja”. A isto acrescentamos que não existe
nenhum só documento, nem sequer o “Codex Iuris canonici”, que diga expressamente que o Papa, enquanto Pastor supremo da Igreja, tenha o direito de abolir o rito tradicional. Tampouco em alguma parte se fala de que tenha direito de modificar os costumes litúrgicos particulares. No caso presente, este silêncio é de grande significado. 

Os limites da “plena et suprema potestas” do Papa têm sido claramente determinados. É indiscutível que, para as questões dogmáticas, o Papa deve se ater à tradição da Igreja universal e por conseguinte segundo São Vicente de Lérins ao que se tem crido sempre, em todas as partes e por todos (quod semper,
quod ubique, quod ab omnibus). Vários autores expressamente adiantam que em conseqüência, não compete ao poder discricionário23 do Papa abolir o rito tradicional.

Assim, o célebre teólogo Suárez (+ l6l7), referindo-se a autores mais antigos como Caetano (+ 1534) pensa que o Papa seria cismático “se não quisesse, como é seu dever, manter a unidade e o laço com o corpo completo da Igreja, como por exemplo, se excomungasse toda a Igreja ou se quisesse modificar todos os ritosconfirmados pela tradição apostólica”.

Para aqueles que não concedem peso a esta afirmação de Suárez, assinalemos outro argumento que ainda poderá ser de importância bem maior, quanto ao direito que os Papas têm a dispor dos ritos herdados da tradição: o fato recordado mais acima que até Paulo VI, nenhum Papa empreendeu uma modificação tão ampla das formas litúrgicas como a que temos assistido; que não se aceitava a mais insignificante inovação num rito. Quando o Papa São Gregório Magno (+ 604), no rito romano, retirou a fração do pão do final do cânon para colocá-la justo antes da comunhão, como no rito bizantino, foi violentamente criticado; pelo que o Papa em carta ao bispo de Siracusa teve que se defender por ter procedido a esta modificação e a outras de menor importância. Em muitos lugares se teve que esperar até o século VIII para que a reforma de São Gregório se impusesse.

Fonte: A Reforma Litúrgica Romana - Monsenhor Klaus Gamber - Fundador do Instituto - Tradução por Luís Augusto Rodrigues Domingues (Teresina, PI - 2009) - Litúrgico de Ratisbona - Revisão por Edilberto Alves da Silva.

Comentários

POSTAGENS MAIS ANTIGAS