Preparação para a morte: Do amor de Deus


PONTO III

Aumentará em nós a admiração, se considerarmos o desejo veementíssimo que tinha Nosso Senhor Jesus Cristo de sofrer e morrer por nós. “Hei de ser batizado com o batismo do meu próprio sangue e sinto-me morrer no desejo de ver chegar a hora da minha paixão e morte, a fim de que o homem reconheça o amor que lhe tenho” (Lc 12,50). Assim dizia o Filho de Deus em sua vida terrena. O mesmo sentimento lhe fez ainda dizer na noite que precedeu a sua dolorosa paixão: “Desejei ardentemente celebrar esta Páscoa convosco” (Lc 22,15). Parece, pois, diz São Basílio de Selêucia, que nosso Deus tem amor insaciável pelos homens.

Meu Jesus! Os homens não vos amam porque não ponderam o amor que lhes dedicais. Como é possível que a alma que considera um Deus morto por amor dela, e com tão grande desejo de morrer para lhe demonstrar o seu afeto, viva sem o amar?... São Paulo diz que não é tanto o que Jesus Cristo fez e sofreu, como o amor que nos testemunhou sofrendo por nós, que nos obriga e quase nos força a que o amemos (2Cor 5,14). À consideração deste sublime mistério, São Lourenço Justiniano exclamava: Vimos um Deus enlouquecido de amor por nós.

E, na verdade, se a fé não o afirmasse, quem é que poderia crer que o Criador quis morrer pelas suas criaturas?... Santa Madalena de Pazzi, num dos seus êxtases, tendo nas mãos uma imagem do Crucificado, chamava Jesus louco de amor. O mesmo diziam os gentios, quando ouviam pregar a morte de Cristo, que lhes parecia incrível loucura, segundo nos atesta o Apóstolo: “Pregamos o Cristo crucificado, escândalo para os judeus, necessidade para os gentios” (1Cor 1,23). Como é possível, diziam eles, que um Deus perfeitamente feliz em si mesmo e que nada necessita, desça à terra para fazer-se homem e morrer por amor dos homens, suas criaturas? Equivaleria a crer que Deus enlouqueceu por amor dos homens. É, contudo, de fé que Jesus Cristo, verdadeiro Filho de Deus, se entregou à morte, por nosso amor. “Amou-nos e ele mesmo se entregou por nós (Ef 5,2). E qual a razão desse sacrifício? Fê-lo, a fim de que não vivêssemos para o mundo, mas para esse bom Senhor que quis morrer por nós (2Cor 5,15). Fê-lo com o fim de ganhar, pela manifestação do seu amor, todos os afetos dos nossos corações. Assim os Santos, ao considerarem a morte de Cristo, tiveram em pouca conta o dar a vida e sacrificar tudo pelo amor de seu amantíssimo Jesus.

Quantos ilustres personagens, quantos príncipes abandonaram riquezas, famílias, pátria e até coroas, para se encerrarem nos claustros e viver no amor de Deus! Quantos mártires lhe sacrificaram a vida! Quantas virgens, renunciando às bodas deste mundo, correram alegres para a morte, a fim de assim poderem corresponder ao afeto de um Deus, morto por seu amor!... E tu, meu irmão, que tens feito até agora por amor de Cristo?... Assim como o Senhor morreu pelos Santos, por um São Lourenço, por uma Santa Luzia, por uma Santa Inês... também morreu por ti... Que pensas ao menos fazer no resto da vida, que Deus te concede para que o ames? Lança repetidas vezes os olhos sobre a imagem do Crucificado, contemplando-o! Lembra-te do amor que lhe deves e dize em teu interior: “Meu Deus, foi por mim que quisestes morrer?” Faze ao menos isto; faze-o freqüentemente, e assim te sentirás docemente constrangido a amar a Deus, que tanto te ama.

AFETOS E SÚPLICAS

Não vos amei como devia, amantíssimo Redentor, porque não pensei no amor que me tivestes! Ah! meu Jesus! quão ingrato sou!...

Destes a vida por mim, sofrendo a mais amarga das mortes, e eu mostrei- me tão insensato que nem quis pensar em vós. Perdoai-me, Senhor; prometo-vos que, de hoje em diante, ó meu Amor crucificado, sereis o único objeto dos meus pensamentos e afetos. Quando o demônio e o mundo me apresentarem seus frutos venenosos, recordai-me, amado Salvador, os trabalhos que por meu amor sofrestes, e fazei que vos ame e não vos ofenda... Ah, se um de meus servos houvesse feito por mim o que vós fizestes, não me atreveria a dar-lhe o menor desgosto.

E, no entanto, muitas vezes ousei apartar-me de vós, que morrestes por mim!... Ó belas chamas de amor, que obrigastes um Deus a dar a sua vida por mim; vinde, abrasai-me e enchei todo o meu coração e consumi nele o afeto às coisas criadas! Meu amantíssimo Redentor, como é possível que se não sinta inflamado de amor por vós o que vos considera no presépio de Belém, na cruz do Calvário, e agora no Santíssimo Sacramento do Altar?... Amo-vos, meu Jesus, com toda a alma, e no resto da minha vida se-reis o meu único bem, o meu único amor. Não devo aumentar a soma dos anos desventurados, que passei desgraçadamente no esquecimento da vossa Paixão e dos vossos afetos.

A vós me entrego inteiramente e se não sei dar-me como devo, acolhei-me vós e reinai no meu coração. Adveniat regnum tuum. Não volto a ser escravo, a não ser do vosso amor. Que todas as minhas palavras, todos os passos, todos os meus pensamentos, todos os suspiros não tenham outro objeto senão amar-vos e servir-vos. Assisti-me com vossa graça a fim de que vos seja fiel; é nos vossos merecimentos que confio, ó meu Jesus? Ó Mãe do belo amor, fazei que ame muito ao vosso divino Filho, que é tão digno de ser amado e que tanto me tem amado!

V/: Requiem aeternam dona eis, Domine, et lux perpetua luceat eis. Requiescant in pace. R:/ Amém.


Fonte: Preparação para a Morte - Santo Afonso Maria de Ligório - Considerações sobre as verdades eternas - Tradução de Celso de Alencar - Versão PDF de FL. Castro - 2004 

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